Tudo neste mundo está sujeito a uma determinada evolução. Portanto, o que se passou na Carolina Michaelis não me surpreende por aí além - era apenas uma questão de tempo até a questão se tornar física. Isto coincide com uma reportagem que ouvi ontem sobre muito do que hoje chamam bullying passar pelos professores. O que também não me surpreende.
Durante o meu tempo de secundário, o termo bullying nem sequer existia. Não é, portanto, uma coisa nova à qual deram um nome fino para parecer ter mais importância. Simplesmente, chegar a casa e dizer "gozam-me na escola" não parece ter tanto impacto. No meu tempo, toda a gente fechava os olhos, fazia que não via, até encaravam aquilo como algo natural. Os alunos mais fortes eram subjugados pelos mais fracos, e os professores que ousavam enfrentar os mais fracos eram humilhados em plena sala de aula, em manifestações de falta de educação que, mesmo sendo bem novinha, me chocavam. O bullying fez parte da minha vida durante cerca de cinco anos, e provocou feridas que ainda hoje teimam em abrir, o que resulta na minha vulnerabilidade relativamente a certos assuntos e extrema insegurança. Era mais uma coisa psicológica do que propriamente física, embora durante visitas de estudo resolvessem sempre dar um toquezinho, razão pela qual deixei de participar nelas. Ou era porque era gorda, ou era porque andava de maneira esquisita, ou porque tinha a testa alta, ou porque tinha melhores notas ou porque viajava para sítios que, hoje penso, alguns deles nem saberiam localizar num mapa. Hoje sei que devia ter enfrentado tudo isso de maneira bem diferente, mas quem vai dizer a uma miúda de 12 anos que tem que desligar e seguir em frente? Eram as minhas primeiras experiências escolares, e não podiam ter corrido pior. Lembro-me particularmente dum episódio durante uma Feira de Ciência, em que acharam giro testar algumas coisas em mim. Em vez de resolver fazer queixa aos professores, calei-me. Achava que também eles poderiam ver em mim alguma falta e juntar-se aos outros - estupidez minha, sei-o agora, mas o mundo social para mim era tão monstruoso que já não esperava nada de ninguém. Quer dizer. Esperava. Tinha uma confiança cega em toda a gente, parecia que estava à espera que alguém me mostrasse ser capaz de deixar de ouvir os rumores que corriam e estar disposto a conhecer-me. Mas adiante. Os professores fecharam completamente os olhos. A única ajuda que recebi foi da minha professora de História, uma das pessoas mais generosas e interessantes que conheci até hoje, que me ensinava a não desistir de mim própria. Ajudou-me imenso, e ainda hoje me emociono quando me lembro dela. Era aquela professora que puxava pelos alunos que queriam ser puxados, que nos faziam gostar da discilina e querer saber mais, explorar mais os meandros da História. Mas também ela não pode fazer nada perante um Conselho Executivo que achava que eu estava a exagerar e que aquilo era uma coisa passageira. E é aí que está o grande erro. O bullying não é uma coisa passageira, uma fase na nossa vida. Afecta-nos, entranha-se. Tornamo-nos pessoas diferentes da maioria, bichos do mato com medo de socializar mas sempre com uma confiança cega e uma inocência pura. Encaro estas recentes medidas com algum optimismo, mas sei que nada vai mudar. Não há medida possível para parar com o abuso nas escolas. Tudo tem que partir da educação dada às crianças, ou seja, tem que partir de casa - o que é complicado, pois os alunos provêm dos contextos familiares mais variados. Se um miúdo não tem as competências básicas para se portar convenientemente a nível social, de ter os conceitos-base do que é boa educação e respeito pelos outros, não é na escola, onde encontra dezenas de pessoas como ele, que o vai encontrar. Porque hoje em dia os alunos não querem saber dos exemplos dados pelos professores - aliás, acho que nunca quiseram saber. E isso vê-se no que aconteceu recentemente.
Se há cinco anos os alunos encaravam os professores com alguém que estava ali para os servir e obrigar a fazer coisas que eles não queriam fazer, hoje em dia creio que a situação evoluiu para bem pior. Sei que pareço uma velha a falar, mas sei o que digo. As pessoas que têm hoje a idade que eu tinha naquela altura são, generalizando, completamente diferentes do que éramos. Parece que pensam menos, que dão menos importância a cultura, conhecimentos e que vivem fechados num mundo tecnológico de telemóveis e Hi5's. Tem mentalidades pequeninas, portanto. Não olham a meios para atingir os fins, portanto se batem num miúdo da turma deles porque ele ousou tirar 90% quando os outros tiraram 20%, porque é que não hão de agredir um professor que lhes confiscou o seu bem mais sagrado, o telemóvel? As escolas já eram um inferno, agora devem ser insuportáveis. E não tenho qualquer esperança que a situação melhore, porque os comportamentos dos miúdos não podem ser corrigidos com medidas do Estado.
Quem me conhece bem sabe que muito daquilo que sou hoje é resultado do que me aconteceu na escola. Ainda não tenho o 12º ano porque deixei de acreditar nas minhas capacidades, porque os outros me fizeram crer que não servia para rigorosamente nada. Só hoje, com a ainda pouca idade que tenho, é que começo, aos poucos, a aprender a acreditar um pouco mais em mim e a desprender-me socialmente, mas ainda tenho pesadelos com aquela gente e quando acontece ver um na rua tremo por todos os cantos. Não é uma coisa passageira. E vai continuar a aumentar, lado a lado com o crescendo de falta de educação em que este país se está a enterrar.
3 comments:
Gostei bastante de ler este post, por razões pessoais também. E é verdade, o problema começa mesmo em casa. Pelo que sei, a mãe da miúda do "telemóbel" foi lá à escola arranjar confusão com a Directora. Muitas vezes, são pais que receberam muito pouca educação, outras, apesar de terem alguma educação, mimam demasiado os meninos, e quando dão por eles são pequenos diabinhos que fazem o que querem e lhes apetece, conseguindo manipular tudo e todos. Sim, é verdade que apenas agora se começa a dar atenção ao "bullying", porque antes era até algo que se escondia e se preferia não falar do "puto que era gozado", mas ao menos fala-se e a posição começa a mudar. Nunca será suficiente porque felizmente não vivemos numa ditadura, e não temos as "autoridades" a ver quem se porta mal dentro do recinto escolar. Ser gozado deixa sempre marcas, e embora diga que tudo o que não nos mata tornano-nos mais fortes, nestas situações nem sempre é tão linear.
Tambem gostei muito, bolas eu era a cromo da turma com espinhas caixa de óculos e cabelo de broculo, ou seja era um rapaz que dava nas vistas aos típicos anormais que andavam por la, mas a mim atingiam-me mais fisicamente chegaram a arrebentar-me com um cinto nas costas :/. O lado bom coisa e que me faz sorrir é que passado tantos anos eles ficaram para trás e eu tou aqui para as curvas :)...o que acontece hoje em dia ainda é pior que o que aconteceu na michaelis, há coisa de um ano atras +- vi um documentario gravado por camaras ocultas de professores a serem ameaçados pelos alunos e a não poderem fazer nada pois era naquelas escolas perto de bairros problemáticos entao os alunos tinham "as costas quentes" o que os permitia fazer o que lhes apetecesse, desde andar a porrada dentro da sala e afins, mas não se pode esperar muito dos alunos de hoje em dia visto que ainda no ano passado o meu pai recebeu um aluno na turma da primaria dele cuja mae tinha agredido a professora porque o filho foi fazer queixinhas à mae, isto é já um problema de educação em casa e que os miudos ao chegarem à escola põem em pratica pois tem um ambiente social mais abrangente, e quem sofre são os alunos que vão à escola para aprender e fazer amigos, e que muitas vezes acabam por criar como tu dizes, medo de ir à escola, falta de confiança, desmotivação, porque na realidade é o que o bullying faz às pessoas e só quem foi vítima disso é que sabe, enfim obrigado por escreveres este texto.
sempre fui diferente dos meus colegas de turma e de escola... mas, talvez por um instinto natural, fiz como o Dexter (fui fingindo) e no meu exterior a adaptação era quase perfeita. dentro de mim, a imperfeição da sociedade esmagava-me e eu dava por mim num mundo diferente e alternativo ao real para poder continuar a desempenhar o meu papel na sociedade que me viu nascer e me irá ver morrer (e muita vontade me deu para que tal acontecesse o mais cedo/rápido possível).
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