Mariana Alcoforado foi freira no Convento da Nossa Senhora da Conceição, em Beja, nos séculos XVII e XVIII (nascida a 1640 e falecida em 1723). É conhecida nos dias de hoje por, alegadamente, ter escrito cinco cartas de amor a um soldado francês, Noel Bouton de Chamilly, que se encontrava em Portugal a ajudar o nosso exército a combater os espanhóis. A autoria das cartas tem sido fortemente contestada ao longo do tempo; alguns escolásticos defendem que é impossível uma mulher, naquela altura, ser capaz de escrever com tamanha proeza e sentimento. Quanto a isto não me pronuncio porque acho de uma pequenez excessiva; algumas freiras eram instruídas. Uma coisa pouco tem a ver com a outra. O que é certo é que, como punição, Mariana passou vinte anos da sua vida a servir como porteira do convento. As cartas são mesmo apaixonantes para os demasiado sensíveis de espírito, já foram encenadas várias vezes e ainda hoje são mencionadas em filmes e tidas como referência do chamado 'amor impossível'.
Miriam Cyr, actriz, foi convidada a escrever um livro sobre a história de Mariana Alcoforado e Chamilly. Para isto, a autora afirma que pesquisou imenso - o que não duvido - e que o que se segue é uma obra de não-ficção. É aqui que falha redondamente. Uma coisa é certa, se a senhora estava a apresentar a chachada de livro que se segue, não devia ter feito a premissa. É sempre preciso ter muito cuidado com prólogos. Ou se escrevem e introduzem como deve ser o texto que se segue, ou põe-se de parte. Nas primeiras páginas ainda pensamos 'talvez ela queira dar um tom de romance histórico semi-ficcional a isto'. Mas a premissa de 'não-ficção' está sempre presente. Portanto, o que se segue torna-se ridículo. Devia-se ter limitado aos factos. É impossível uma pessoa propôr-se a fazer um trabalho de não-ficção e descrever sentimentos de pessoas que viveram há quatrocentos anos. Irritou-me mesmo muito. Tudo bem, nos romances históricos é regra dar voz a personagens históricas, mas aqui é uma coisa completamente diferente. É francamente mau.
Portanto, para ter conhecimento desta relação conturbada e da pessoa sofrida em que Mariana Alcoforado se acabou por tornar, que sejam lidas as cartas e não teses beras sobre elas. Que façam a vossa própria pesquisa em enciclopédias, livros, o que seja. Para além de ser um trabalho muito gratificante, são capazes de cabar com informações mais acertadas do que D. João XVI ser rei de Portugal na altura da restauração.
Até a concepção física do livro é pretensiosa e irritante. Arre! 'Então porque é que lhe pegaste?'. 'Bem, já que pergunta, porque de vez em quando uma rapariga gosta do seu quanto de lamechice e como pensei que isto tinha fundamento histórico, tentei.'
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