Sunday, October 21, 2007

Elementary, my dear Watson

Dizem que o Julian Barnes é um dos mais conceituados autores de literatura inglesa contemporânea - se é, não sei. Não fui pelo nome, não fui pelo título, fui pela crítica - que é coisa que muito, muito raramente faço. Já o tinha visto, já o tinha visto na mão, mas quando vi que era sobre Sir Arthur Conan Doyle não fiz muito caso porque pensei que fosse aldrabice. Depois li que era baseado em factos verídicos, o interesse cresceu e digamos que é um livro muito bom.

De facto, aborda factos verídicos, e extremamente bem documentados (como o autor escreve numa nota, só uma das cartas é fictícia). Fala da vida de Sir Arthur Conan Doyle e de George Edalji separadamente, juntando-se os dois só nos capítulos finais. O tema central é um caso verídico, que ficou conhecido como Os Ultrajes de Great Wyrley, que consistiu na acusação e sentença injustas a trabalhos forçados de um homem, George, que se viu alvo de provas mal fabricadas e teorias da conspiração devido a um certo preconceito racial - mesmo que o próprio o pensasse impossível. Sir Arthur Conan Doyle, numa fase especial da sua vida, leu de relance o caso de George, e empenhou-se em provar a sua inocência, limpar o seu nome e devolver-lhe a vida que perdeu depois de sair da prisão.

Para além de estar extremamente bem escrito, ser uma história verídica bem documentada e corresponder a uma época que gosto muito, gostei sobretudo de saber mais sobre a vida de Arthur Conan Doyle. Durante alguns anos desenvolvi uma obsessão pouco saudável pelos livros do Sherlock Holmes e pela série com o Jeremy Brett (que agora passa na RTP Memória), mas sabia muito pouco do génio por trás de toda aquela lógica, dedução e brilhantismo. Descobri um homem que se sentia escravo da sua própria criação, que preferia ter escrito romances históricos toda a vida e um fervoroso seguidor do espiritismo, que naquela altura começava a ter maior amplitude.

Depois também há aquela coisa interessante de se ler a coisa certa na altura certa. Neste caso nem foi tanto a coisa certa nem a altura certa, foi mais um eco de um assunto que me anda a provocar imensa ansiedade - aliás, que a provoca há imensos anos, mas que ultimamente se tem acentuado. Revi muito do que penso sobre o assunto e que me deixa completamente em pânico aqui:

"E, nesse momento, George foi assaltado pela consciência de que todos iam morrer. Às vezes reflectia na sua própria morte; sofrera com a morte dos pais - o pai há doze anos, a mãe há seis; lera a necrologia nos jornais e assistira a funerais de colegas; e estava aqui para a grande despedida a Sir Arthur. Mas ainda nunca compreendera - embora fosse mais uma consciência visceral do que uma percepção mental - que todos iam morrer. É certo que fora informado em criança, embora no contexto de passarem todos - como o tio Compson - a viver depois, no seio de Cristo ou, se fossem maus, noutro lugar qualquer. Mas agora olhou em redor. O príncipe Alberto já estava morto, é claro, e também a viúva Windsor, que o chorara; mas aquela mulher com um guarda-sol ia morrer, e a mãe ao lado dela morreria antes, e as crianças pequeninas morreriam depois, mas se houvesse outra guerra os rapazes podiam morrer antes, e os dois cães ao pé delas iam morrer também, e os músicos ao longe, e o bebé no carrinho, até o bebé no carrinho, mesmo que vivesse até ser tão velho como o habitante mais velho do planeta, cento e cinco, cento e dez, ou o que era, aquele bebé ia morrer também."

p. 419

Podia ter escrito mais qualquer coisa, mas tenho a cabeça lá longe no meio de coisas que me interessam mas que sou completamente inapta para as seguir academicamente.

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