Sunday, June 17, 2007

Afinal Jesus era cantor de fado

Fui ver ontem aquilo em que tenho estado a falar desde sabe-se lá quando. Estava bastante de pé atrás, como também já disse aqui, mas acabei por sair mais ou menos satisfeita. A encenação, o meu maior medo, não estava nada atrás de outras que já vi. Não gostei que tivessem posto as imagens que puseram durante a Overture, sinceramente não percebi o "porquê", mas, fora isso, estava bastante bem conseguido. Assemelhava-se imenso com a minha versão favorita, a que deu em DVD em 2001, com o super senhor Glenn Carter. As interpretações, de uma maneira geral, também não estavam más. Pontos altos: Caifás, Herodes e Judas. Gostei mesmo muito do Herodes. É sempre o show-off, em todas as produções que já vi, mas de produção para produção fazem-no sempre mais estapafúrdio e ridículo. Desta vez parecia um ícone de glam-rock que por acaso fazia sapateado. Judas foi fantástico, também; é sempre. O Caifás foi pela voz. Já sabia que o tom de voz para o personagem tem que ser alguns níveis mais abaixo do que é considerado normal, mas ouvir realmente algo assim ao vivo arrepiou-me. A nível de vozes, tudo óptimo. A melhor parte, a nível de encenação e em minha opinião foi a The Temple. Podiam ter dado a abordagem que bem entendiam, desde que fosse chocante, provocante. Optaram por panos de um vermelho berrante e personagens absolutamente macabras a prometer sexo, drogas e outras coisas que tais. Tal como no meu estimado DVD, mas não interessa. Ver ao vivo foi muito melhor. Portanto, thumbs up para a The Temple. Agora as partes más:

1. A tradução. No geral, também não foi má. Muito da mensagem da versão original conseguiu passar para a versão portuguesa, mas houve partes cruciais que faltaram. E que deram campo para mal-entendidos. Como, por exemplo, na Could We Start Again, Please? que foi traduzida para Nunca Te Esqucerei. Quer dizer. Numa versão temos um grupo de pessoas absolutamente angustiados, que finalmente perceberam que tudo o que fizeram foi errado e que pedem uma segunda oportunidade. Na versão portuguesa temos um grupo de fanáticos devotos a fazer promessas de amor eterno ao filho de dEUS. Hmm? Outra foi durante a Gethsemane, a menina dos meus olhos. Aliás, durante toda a Gethsemane... aquela imagem dele relutante em aceitar o seu destino, em recusar-se, a questionar-se e a não perceber, culpando mesmo o senhor lá de cima pelo que lhe estava a acontecer passou para um Jesus muito bem-mandado, muito "está bem pronto vá lá". E não terem posto isto:

Am I scared to finish what I started -
What you started... I dind't start this!

Também foi um golpe muito duro. Portanto, de uma maneira geral, na versão original Jesus é um rebelde que se torna mal-compreendido por tudo e por todos e que se vê obrigado a morrer por razões que não entende. Na versão portuguesa Jesus é um mártir que diz que é "luz celestial" (na versão original nunca temos estas manifestações divinas) que aceita o seu destino sem sequer estrebuchar um bocadinho. Ah, e onde está o Father, in your hands I commend my SPIIIRIIIIIT?! Não está? Estar está. Mas ele não grita. Suspira. E morre.

2. Porque é que no final da The Temple ele não disse isto:

There's too, too many of you
Don't push me, don't crowd me
There's too little of me
Heal yourselves!

E só diz "...não... não..."? Esqueceu-se ou é mesmo assim?

3. Jesus. Para minha grande pena, Jesus foi o ponto fraco de toda a produção. Li naquele programazinho que dão à entrada que o actor canta fado, mas nunca pensei que deixasse que isso se notasse ao representar o papel. Qual quê. Todos a cantar em verdadeiro estilo rock-opera, e quando era a vez dele perdia-se tudo. Mão quase erguida à testa, voz de fado "p-o-o-obre jerusale-e-e-em". Na Gethsemane, felizmente, conseguiu perder um bocado aquele tremor e maneira de entoar as coisas, mas desapontou-me muito. Já para não falar do modo como representou o papel. Muito submisso, muito mártir, muito pobre alma penada. Não é nada disso! Há imensas emoções fortes pelas quais o actor tem de passar até cumular numa depressão autêntica com toda a gente a dar-lhe chicotadas - tal como diz o Glenn Carter. Mas não. Papaia autêntica. Ah, e como não podia deixar de ser, agradeceu em verdadeiro estilo Amália Rodrigues. Não gostei mesmo nada.

Ah, outro ponto alto foi ouvir a John 19:45. Que é a coisa mais bonita que aqueles dois alguma vez compuseram.

Se é verdade que o Andrew Lloyd Webber e o Tim Rice vieram cá na estreia, gostava muito de saber o que tinham pensado. Embora, para eles, provavelmente a diferença fosse pouca. O espectáculo tinha legendagem, nas quais resumiam, aos poucos, o que estava a acontecer. Mas as legendas tinham a visão da versão original - não a versão estupidamente católica portuguesa. Da "luz celestial" (essa deixou-me mesmo estúpida).

Pronto, resumindo. Gostei, esperei muito tempo para ver isto representado ao vivo - embora preferisse que tivesse sido a Famous a pegar nisto, que assim, ao menos, as músicas eram em inglês - e a única decepção foi aquilo que não devia ter sido. Mas ia ver outra vez.

Ah, e foi com alegria que constatei que não era a única a cantar em Inglês ao mesmo tempo que eles. Quase ao meu lado estava um rapaz que até começou a Pilate's Dream mais cedo que os do palco. Foi giro. Não sou a única pessoa abaixo de 50 anos que gosta deste tipo de coisa.

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