Sunday, May 13, 2007

"A morte é o único interesse da vida, o único condimento que tempera a sua inspidez. Mas normalmente é-nos proporcionada com uma generosidade excessiva: os homens vivem tão obcecados pela riqueza pavorosa da morte que mal têm tempo para se fixarem na vida, do mesmo modo que o excesso de luz diurna os cega para tudo o que não sejam sombras e manchas. Passam o seu tempo - matam-no, se quisermos ser exactos - tentando afastar de si a morte, prevenindo-a, combatendo-a ou infligindo-a aos restantes, vendo morrer os seus, lamentando-os, invejando-os, calculando o tempo que lhes falta para ficarem por completo sem tempo. Não é estranho que só imaginem uma vida verdadeira depois da morte, quer gozada a título pessoal num além, quer desfrutada por bem-aventuradas gerações futuras. Mas como o céu é inacreditável e o futuro incerto, a vida adiada não alcança verosimilhança. E, todavia, estão certos pelo menos numa coisa: que para viver é necessário estar-se convenientemente morto...".
Drácula, Monólogo Quinto - Criaturas do Ar, Fernando Savater

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