"O amor foi um conceito inventado por um senhor emocionalmente deficiente num delírio de parvoíce, ao qual as pessoas se agarraram durante séculos. Foi derramado sangue, foram vertidas lágrimas, trocadas cartas, viradas as páginas. Foram épocas gloriosas com testemunhos de verdadeira paixão, de verdadeiro desejo, de um romantismo exacerbado em que a vida sem o outro era impensável, de duelos, de ilusões, de cartas escondidas nos decotes ou nas pregas dos regaços. Foram épocas em que o amor era simples, em que esse tal conceito mirabolante até parecia ter algum significado. Era o inominável, o sentimento que os fazia esquecer quem eram e perder todo o sentido da razão. Era simples porque havia menos escolha. Era simples porque era difícil, mas fazia sentido, era real. Hoje, parece que já ninguém se apaixona de verdade. Parece antes que andam cegos em busca desse antigo ideal de paixão que se perdeu em páginas de romances que já ninguém lê. Idealizam esse amor, fingem vivê-lo – mas não o vivem. E quem realmente o viveu, prefere nunca ter sentido aquela pontada no peito, naquela noite, naquele momento."
- R. M. S.
Nunca se deve julgar um livro pela capa - ou, neste caso, pelo título. Pode-nos induzir em erro, e dávamos por nós a perder um dos melhores romances contemporâneos Norte-Americanos. O meu interesse surgiu depois de saber que a autora, Nicole Krauss, era casada com um dos meus mais-que-tudo, o Jonathan Safran Foer. Pensei que para um dos meus mais-que-tudo ter casado com outra escritora, era porque tinha alguma coisa que a destacasse. E tem. Imenso. Dizem que o seu primeiro romance, Man Walks Into A Room, catapultou-a logo para uma posição de sucesso; quanto a isso não sei, porque não o li nem me lembro de o ter visto à venda cá. Mas este A História do Amor está simplesmente delicioso.
Circula à volta, não da história do "amor" propriamente dito, mas à volta de um livro chamado A História do Amor, que influenciou várias pessoas em diversas gerações; pessoas que se encontram mais próximo uma das outras do que alguma vez julgaram pensar, unidas por um único nome: Alma. Temos Leopold Gursky, idoso que se sente vazio, que já não tem nada que esperar da vida que o desiludiu, nem do amor que lhe escapou por entre os dedos. Passou o resto da sua vida preso em recordações daquela infância perdida na Polónia, com a sua Alma perto de si, e obcecado com o filho que tem e que nunca conheceu. Depois há Alma Singer, adolescente dos nossos tempos, baptizada com o nome de Alma em honra da Alma de A História do Amor. Orfã de pai desde muito cedo, vê no livro uma data de pistas que a podem levar a descobrir algo que possa fazer com que a mãe se volte a sentir feliz. A sua busca vai ganhando objectivos diferentes à medida que a história avança, acabando por ser mais uma busca da sua própria identidade. Por fim, como terceira voz do livro, há Zvi Litvinoff, autor da História do Amor mas que carrega consigo um segredo que lhe consome a vida aos poucos.
É a história de vários amores perdidos, e duma busca incessante por algo. Pela Alma de cada um.
É escrito com um humor muito subtil, mas que funciona muito bem. Provoca aquele sorrisinho no canto do lábio. Curioso é notar na escrita de Nicole Krauss alguns dos traços de Jonathan Safran Foer - nomeadamente a imaginação (embora isso pertença a cada um), o tema da busca.
No final, algumas das personagens que julgávamos ser algo não o são. E vice-versa. É um livro muito, muito bom, que se lê num só fôlego de tão delicioso que é.
"Agora que a minha está quase a acabar, posso dizer que a coisa que mais me surpreendeu na vida é a nossa capacidade de mudança. Num dia somos uma pessoa e no dia seguinte dizem-nos que somos um cão. A princípio, é difícil de suportar, mas passado pouco tempo aprendemos a não ver isso como uma perda. Às vezes chega a tornar-se hilariante verificar quão pouco precisamos que se mantenha na mesma para que prossigamos esse esforço a que chamam, à falta de melhor, ser-se humano."
- p. 299
"Não é que nos tenhamos esquecido da linguagem dos gestos por completo. O hábito de movermos as nossas mãos enquanto falamos ficou-nos desse tempo. Bater palmas, apontar com o dedo, esticar o polegar para cima: são tudo artefactos de gestos antigos. Dar as mãos, por exemplo, é uma forma de relembrarmos a sensação de estarmos juntos sem dizer nada. E à noite, quando a escuridão já não nos deixa ver, sentimos a necessidade de gesticular uns aos outros para nos fazermos entender."
- p. 98
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